Título: Proposta que extingue desconto de 20% no IR atinge classe média e poupa mais ricos
Publicação: Folha de S.Paulo
Autores: Bernardo Caram e Iara Lemos
Data: 5/10/2020

Medida em estudo pelo governo, a extinção do desconto de 20% nas declarações simplificadas do Imposto de Renda deve atingir a classe média e poupar os contribuintes mais ricos, apontam dados da Receita Federal.

Avaliada como opção para levantar verbas para o novo programa social do governo, a proposta revelada pela Folha nesta segunda-feira (5) foi criticada por especialistas e congressistas.

Levantamento feito pela Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) separou por faixa de renda os contribuintes que usam o modelo simplificado e têm direito ao desconto automático.

Aproximadamente 40% deles têm renda mensal entre dois e cinco salários mínimos (de R$ 2.090 a R$ 5.225). Outros 37% apresentam rendimento mensal entre cinco e dez salários (de R$ 5.225 a R$ 10.450).

Esses percentuais vão caindo conforme a renda fica mais alta. O uso do formulário simplificado conta com 11,7% de pessoas com renda entre 10 e 15 salários mínimos (de R$ 10.450 a R$ 15.675) e de 8,7% para todas as outras com renda superior a 15 salários.

Hoje, quem opta pelo modelo simplificado tem uma dedução padrão de 20% do valor dos rendimentos tributáveis, abatimento que substitui todas as outras deduções. O limite atual desse desconto é de R$ 16.754,34 por contribuinte.

Com a proposta elaborada pela equipe econômica para ser apresentada ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), esse modelo seria extinto.

A outra opção existente hoje, e que seria mantida, é a declaração completa, atualmente indicada para quem teve custos que podem ser deduzidos acima dos 20%. Ela permite que a base tributável seja reduzida se o contribuinte apresentar despesas médicas, educacionais, previdenciárias e com dependentes.

Em 2018, dado mais recente disponível, a renda tributável média dos contribuintes que usaram a declaração simplificada foi de R$ 44,6 mil no ano. Os que optaram pela declaração completa tiveram quase o dobro de rendimento, R$ 82,3 mil, em média.

De acordo com os números da Receita, o valor total médio dos bens e direitos do contribuinte que faz a declaração simplificada é de R$ 230,8 mil, contra R$ 411,0 mil dos optantes pelo formulário completo.

O Ministério da Economia argumenta que a medida não vai prejudicar a classe média. A justificativa é que essas pessoas passarão a fazer a declaração completa e terão direito a deduzir gastos com saúde, educação, dependentes e Previdência.

Na avaliação do presidente da Unafisco, Mauro Silva, o argumento não é válido.

Segundo ele, as pessoas apenas optam pelo desconto padrão simplificado porque não têm gastos suficientes para viabilizar uma dedução maior do que 20%. Desse modo, elas passariam a ter um desconto menor, sairiam perdendo com a mudança.

“Quem aproveita o modelo simplificado é o pessoal com renda menos elevada. Quando for para o sistema completo, ele não terá o desconto que tinha antes, não vai ter despesa médica, pode não ter escola particular. Acabará tendo uma dedução menor”, disse.

De acordo com o auditor da Receita, a proposta defendida pela equipe econômica atinge pessoas sem renda alta e não pede contribuição dos mais ricos.

“Estariam tirando dinheiro da classe média e da classe média baixa. Estaria tirando o couro de quem? Não seria das pessoas de renda alta. Provocaria uma injustiça tributária”, afirmou.