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São inadmissíveis as tentativas que temos testemunhado nos últimos tempos de tratar o funcionalismo público como o vilão dos problemas brasileiros. E a mais nova cartada de certos setores da sociedade para demonizar os servidores federais, estaduais e municipais é um estudo controverso – para se dizer o mínimo – lançado pelo Instituto Millenium, think tank neoliberal que tem como um de seus fundadores o ministro da Economia, Paulo Guedes, dizendo que o custo para o governo da folha de pagamentos dessas categorias representa 3,5 vezes mais do que é gasto com saúde e o dobro do que é investido em educação. Esses dados desvirtuados foram incansavelmente explorados pela mídia corporativa, mas, felizmente, também foram repudiados com veemência pelos defensores do bom senso e da honestidade intelectual.

A movimentação de representantes de setores privilegiados economicamente contrária aos funcionários públicos nem chega a ser novidade, mas tem se intensificado mais recentemente, e mostra sua carga maior especialmente agora que o governo federal vem apresentando suas propostas para a discussão da Reforma Tributária, já passada a aprovação da Reforma da Previdência e com o debate sobre a Reforma Administrativa se encaminhando. E um estudo metodologicamente precário, que na sua avaliação não considera na conta os gastos com os salários dos servidores da saúde e da educação como custos englobados em suas respectivas áreas é apenas mais uma peça dessa engrenagem perversa para prejudicar a imagem de toda uma categoria. Nesse contexto, não podemos esquecer da maneira nada lisonjeira que o funcionalismo tem sido tratado pelo próprio ministro da Economia, em comentários feitos não só publicamente mas, inclusive, em reunião ministerial privada que veio à tona por força da Justiça.

Pois tudo isso é até esperado. Nada mais é do que uma reação das elites para desviar a atenção das mais diversas iniciativas que vão de encontro a essa corrente, entre as quais está incluída a defesa da justiça fiscal, movimento do qual a Unafisco Nacional orgulhosamente faz parte. O incômodo desse grupo fica evidente quando colocamos no debate pautas que estão ganhando força e que afetam grandes interesses, como o fim da isenção na distribuição de lucros e dividendos, a tributação de grandes fortunas e o aumento na incidência sobre heranças e sobre aplicações financeiras de alto valor.

Ao mesmo tempo em que se segue essa orquestração para desmoralizar o funcionalismo público, denunciamos o fato de que em um país com mais de 210 milhões de cidadãos, apenas 760 mil contribuintes, ou seja, 0,35% da população, têm imposto regressivo. Para isso, a Unafisco Nacional criou a petição online Somos 99,65% Injustiçados Tributários, destinada a Guedes, na qual enfatizamos que não são apenas os mais pobres, mas a esmagadora maioria da população que sofre com um modelo tributário desigual, que prioriza a incidência de tributação no consumo de bens e serviços. A campanha está disponível no site Avaaz.

Além disso, também para incrementar essa discussão imprescindível, a Unafisco Nacional lançou uma ferramenta que nos ajuda a monitorar o quanto se perde com a renúncia fiscal a determinados setores da economia, sem que haja nenhuma contrapartida à população. O Privilegiômetro Tributário registra que mais de R$ 190 bilhões, até o momento, deixaram de ser arrecadados pelo governo ao não ser feita a cobrança desses impostos. E o montante vai aumentando enquanto se lê este editorial.

As previsões iniciais usando dados oficiais do governo dão conta de que até o final do ano vão deixar de entrar nos cofres públicos aproximadamente R$ 292 bilhões – o que representa cerca de 4,02% do PIB – com a concessão de privilégios tributários. Esse valor corresponde também a 20,64% do que a Receita Federal projeta arrecadar neste ano, segundo informações do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros do órgão.

Diante desse cenário, que agora ganha o medidor Privilegiômetro Tributário para alertar sobre as discrepâncias do sistema atual, e tendo como complicador a própria pandemia, é imperativo que a discussão da Reforma Tributária proposta pelo governo se atente também ao fim dos privilégios tributários para se chegar à justiça fiscal. E que os setores privilegiados parem de tentar desviar o foco do que é essencial atacando e detratando aqueles que são essenciais para o funcionamento do País.