Está aberta a temporada das manchetes. Preparem-se para a enxurrada de “Fuga de Capitais” e “Teto de Gastos”, instituído pela Emenda Constitucional 95, sem qualquer preocupação com rigor de conteúdo. Mas, afinal, o que há por trás dessa aparente falta de assertividade?
Propostas tão díspares quanto nada estruturadas, como endurecer BPC, calote em precatórios, retrocesso no IR, entre outras, não apenas geram instabilidade como denotam falta de articulação. Chama atenção, porém, o real motivo de nem mesmo se cogitar avançar na resolução de problemas atávicos do país, como nosso sistema tributário profundamente injusto.
É cada vez mais nítido que as pautas da tributação sobre grandes fortunas ou sobre lucros e dividendos não estão no horizonte do governo, que usa a muleta argumentativa de “fazer caber dentro do teto” (tradução de “Tirar os super-ricos da conta”).
De um lado, veremos capas de jornal, como a da Folha de S.Paulo desta quarta-feira (7/10), que trouxe como destaque uma suposta “fuga” de investidores do país como opção editorial, preterindo o crescimento na indústria de bens e serviços que mereceu apenas uma nota menor. E aqui ainda cabe a pergunta: investidores ou especuladores?
De outro, ouviremos declarações como “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”, do presidente da República, que curiosamente junto com sua equipe sequer cogita tirar dos muito ricos para dar aos pobres e paupérrimos.
Dessa forma, faz-se necessário sempre reforçar, como um antídoto, que a Unafisco Nacional elaborou estudo técnico que mostra em números que, no Brasil, os super-ricos são 760 mil contribuintes, 0,35% da população com renda mensal superior a 40 salários mínimos.
O que esses contribuintes desembolsam em imposto sobre sua renda desproporcional não é apenas um acinte ao bom senso, mas não encontra similaridade no mundo. Algo precisa ser questionado.
E assim seguimos em um cenário tão veloz quanto obscuro, com informações imprecisas e/ou seletivas não em busca de soluções estruturais para os problemas do Brasil, mas sim de uma justificativa para um gatilho populista.
De maneira resumida, nos últimos dias passamos pela revisão das regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e uma revisão do Bolsa Família, propostas do governo que atingem em cheio os que mais precisam do Estado. Antes, cogitou-se até o calote em precatórios, para driblar o teto de gastos que inviabiliza investimentos sociais.
Não há que se falar em “indústria de precatórios”, pois, nesse caso, o próprio Poder Judiciário estaria sendo acusado, e não é esse o caso. O fato é que o beneficiário dessa dívida bilionária da União mais uma vez seria o setor financeiro, que negocia esse passivo com deságios. É preciso que se debata o fim da cessão dessas dívidas ou, pelo menos, que se criem regras rígidas para regulamentar esse tipo de negócio.
Em outra especulação, o governo ventilou o desconto de 20% nas declarações simplificadas do Imposto de Renda, medida que, mais uma vez, poupa os mais ricos e atinge em cheio a classe média. É o que mostram dados da Unafisco Nacional, citada em matéria da Folha de S. Paulo de 5 de outubro, segundo os quais aproximadamente 40% dos contribuintes que usam o modelo simplificado têm renda entre dois e cinco salários mínimos, de R$ 2.090 a R$ 5.225. A opção inclui 11,7% de pessoas com renda entre 10 e 15 salários mínimos (de R$ 10.450 a R$ 15.675) e 8,7% dos contribuintes com renda superior a 15 salários.
A manutenção do teto de gastos impede a discussão essencial. Os 0,35% mais ricos continuam com Imposto de Renda regressivo. Os privilégios tributários sangram os cofres da União, Estados e Municípios sem contrapartida alguma. Os dogmas ultraliberais nos empurram reformas para precarizar o serviço público e a própria capacidade do Estado de arrecadar, enquanto precisamos de alternativas como imposto sobre grandes fortunas e taxação de lucros e dividendos, mais importantes para a justiça tributária do que a própria correção da tabela do IR. É por esses princípios que nós, os 99,65% dos contribuintes, devemos lutar.