A semana começou com o mercado financeiro agitado, depois que o governo anunciou suas intenções para tentar viabilizar um programa de transferência de renda em substituição ao Bolsa Família, batizado de Renda Cidadã. Sem disposição de abdicar do teto de gastos, a equipe econômica anunciou o que se convencionou chamar de “pedalada”. Propôs deixar de pagar R$ 39,4 bilhões dos R$ 55,2 bilhões de precatórios devidos e previstos no Orçamento de 2021, além de usar recursos destinados à educação básica por meio do Fundeb.

Ao mesmo tempo em que fez o anúncio da pedalada, o governo decidiu adiar a discussão da Reforma Tributária, que na semana passada girava em torno da criação de opções para a desoneração da folha. Com isso, evita chegar ao essencial. Não se discutem os privilégios tributários, que, segundo dados do Privilegiômetro da Unafisco Nacional, serão responsáveis por uma perda de R$ 306 bilhões em arrecadação da União em 2020, já levando em conta a queda do PIB prevista para este ano e excluindo dos privilégios as deduções do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física e outros incentivos notoriamente justificados.

No dia 24/9, em audiência pública realizada de forma remota pela Comissão Mista de Reforma Tributária do Congresso Nacional, o presidente da Unafisco Nacional, Auditor Fiscal Mauro Silva, apresentou os dados referentes a essas renúncias, que não têm contrapartida em termos de produção e crescimento econômico. Para se ter uma ideia, apenas os dez maiores privilégios tributários (de 59 privilégios elencados pela Unafisco) correspondem a 79% do valor total das regalias fiscais para 2020.

É preciso expor essa injustiça tributária e buscar um sistema progressivo de cobrança de impostos, com a criação de um tributo sobre grandes fortunas e a tributação de lucros e dividendos, pontos essenciais a uma reforma que contemple os objetivos da Constituição Federal de 1988. Muito do que precisa ser mudado, inclusive, passa pela legislação infraconstitucional e poderia ser aprovado mais facilmente do que por meio de emenda constitucional, sem temas polêmicos como a CPMF, que tumultua o debate.

Na ânsia por achar espaço no orçamento, sobretudo para implantação de programas de transferência de renda que alavanquem popularidade, o governo também colocou em pauta a Reforma Administrativa – da qual tratamos no último Editorial – para eclipsar uma Reforma Tributária progressiva e precarizar o serviço público. É importante lembrar que soluções fora da cabeça ultraliberal da equipe econômica – como a eliminação do teto de gastos, que é insustentável – não estão na caixa de ferramentas do governo. Além de inviabilizar o investimento em gastos sociais fundamentais como saúde e educação, o teto tira a capacidade da União na gestão da administração tributária, gerando um ciclo vicioso de desinteresse em melhorar os mecanismos de fiscalização e combate à sonegação.

Nesse momento de debates fundamentais, devemos não só debater com parlamentares e com o governo, mas alertar toda a sociedade a respeito do que está em jogo nessas reformas. O caminho para o País não passa por um ajuste que traz, entre outras mazelas, precarização e privatização de serviços públicos, calote nas dívidas e também a eterna demonização dos servidores.  Há como viabilizar um país com um sistema tributário justo e administração eficiente de modo a ter recursos para as políticas sociais. Para isso, a primeira providência é acabar com o teto de gastos que desincentiva a busca por um sistema tributário adequado. Precisamos de uma Reforma Tributária que não se limite à simplificação, bem como é urgente atacar sem trégua os privilégios tributários.