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O que devemos uns aos outros: Fisco, pacto social e cidadania foi o tema da palestra ministrada, em 17/6, pelo professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), José Garcez Ghirardi, que integrou o primeiro ciclo de exposições do 4º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais, realizado de 16 a 19/6, pela Unafisco Nacional e outras entidades, na capital paulista.

Ghirardi iniciou sua explanação explicando que o Fisco não é somente uma questão contábil, mas de poder. “Quando analisamos a carga tributária, quem paga mais, como paga, nós temos a estrutura de poder de uma sociedade. O fisco mostra exatamente como são distribuídas as forças e a correlação delas dentro da sociedade. Ao olhar bem de perto, ele mostra as nervuras do poder (…). Acho que parte da dificuldade do trabalho dos senhores [Auditores Fiscais] é analisar essa estrutura, o funcionamento real do poder.”

Seguindo esse raciocínio, ele contextualizou a relação entre Estado e desigualdade ao longo da história. De acordo com o palestrante, na Idade Média, quando a sociedade sofre forte influência da Igreja, a desigualdade tem como papel principal fomentar a caridade. “É importante que alguns sejam pobres e outros sejam ricos, porque os pobres são ocasião para os ricos exercerem a caridade e ganharem o reino dos céus. E os pobres têm de sofrer com paciência as privações desse mundo e assim também poder ganhar o reino dos céus. Ninguém pensa que é dever do Estado redistribuir riqueza (…) É uma ação religiosa e política, não tributária.”

De acordo com Ghirardi, no século 19, ocorre a quebra desse paradigma do dever de caridade, mas ainda não existe a visão de que é uma obrigação do Estado redistribuir riqueza. “Basicamente, o [pagamento do] imposto era visto como a retribuição pela estrutura que as pessoas utilizavam [oferecidas pelo poder público].”

Apenas após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) é que a sociedade muda sua visão sobre os impostos e as atribuições do Estado. Há uma noção de solidariedade e responsabilidade coletiva em relação a todos que lutaram e ficaram impossibilitados de trabalhar e terem uma vida digna, conforme explica o palestrante. Existe a “transformação da noção de tributo, agora como uma questão essencial de justiça social. Basicamente, o tributo vai  tentar suprir as necessidades de quem não pode trabalhar. É quando surge a Seguridade Social. A república tem por obrigação cuidar dos seus filhos.”

Ao falar sobre a atualidade, o professor destacou, entre outros pontos, que há uma desconfiança cada vez maior em relação ao Estado, porque hoje o indivíduo contribui, mas não vê retorno dos impostos pagos. “Por isso este debate é tão importante. O fisco está no coração da discussão de pautas coletivas. Discutir o fisco é discutir o pacto social, é discutir ônus e bônus, distribuição de oportunidades e limitações. Não é à toa que é tão difícil fazer uma reforma tributária. Porque não estamos falando somente de dinheiro, mas de estruturas profundas de poder.”

 

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