Durante audiência pública para debater o Projeto de Lei Complementar (PLP) 17/2022, chamado de Código de Defesa do Contribuinte, o presidente da Unafisco Nacional, Auditor Fiscal Mauro Silva, afirmou que “o maior direito do contribuinte, que está sendo violado escandalosamente, é a não correção da tabela do Imposto de Renda pelo governo federal, cuja defasagem já supera os 134%.” As discussões sobre o PLP ocorreram no dia 28/6, durante reunião da Comissão de Finanças e Tributação (CFT), na Câmara dos Deputados.

Falando diretamente para os deputados federais Felipe Rigoni (União/ES) e Pedro Paulo (PSD/RJ), respectivamente autor e relator do Projeto na CFT, Mauro Silva disse que a inclusão dessa questão no PLP beneficiaria enormemente os contribuintes. Ele citou dados do levantamento feito pela Unafisco para demonstrar os efeitos negativos da não correção da tabela. “A cada 1% de inflação que não se corrige na tabela do IR, R$ 2 bilhões são retirados das famílias, com a cobrança indevida.” De acordo com os cálculos da entidade, somente em 2022, serão cobrados R$ 163 bilhões de IR a mais dos brasileiros.

O referido estudo mostra que a defasagem da tabela do IR é de 134,53% em virtude da falta de correção pela inflação desde 1996 (já considerando os períodos nos quais houve reajuste). Caso houvesse atualização na tabela, estariam isentos os contribuintes com renda mensal de até R$ 4.465,35. Atualmente, estão livres da cobrança apenas aqueles que ganham até R$ 1.903,98 por mês. Isso significa que 15,5 milhões de pessoas, que deveriam estar isentas, pagaram IR indevidamente, neste ano.

Outros problemas do PLP. Ao longo de sua participação inicial na audiência, o presidente da Unafisco apontou questões problemáticas no referido PLP. Após as falas dos demais participantes, ele pediu novamente o uso da palavra, o que foi gentilmente concedido pelo deputado Rigoni. Mauro Silva enfatizou a importância de incluir no PLP o reajuste da tabela do IR e destacou outros problemas da proposta, que não haviam sido citados na audiência.  

O primeiro deles refere-se ao artigo 9°, cujo texto diz que “são assegurados, nos processos administrativos fiscais (…) duplo grau de deliberação.” Mauro Silva citou a Lei 13.988/2020 para afirmar que processos de até 60 salários mínimos devem ser julgados em instância única, com a finalidade de desafogar o volume do contencioso. “Fui conselheiro do Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais] e não faz sentido um órgão superior analisar processos de R$ 5 mil, R$ 10 mil.”

O segundo problema apontado por Mauro Silva trata do artigo 12 do PLP, que estabelece o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) como responsável por propiciar, a partir de solicitações de contribuintes, suas informações fiscais-tributárias. Para o presidente da Unafisco, o ideal é que o pedido de acesso aos dados seja endereçado para as Receitas Federal, estaduais e municipais, com a definição de prazo para garantir celeridade. “Ao conceder esse pedido diretamente ao Serpro, nós vamos ter que criar uma duplicidade de estrutura. O Serpro, que é um órgão de TI [Tecnologia da Informação], vai ter que ter outro órgão só para analisar a legalidades desses pedidos.”

Apresentação da Unafisco: pedidos de alterações no PLP

Em sua primeira participação, no início da audiência pública, Mauro Silva apresentou o desenho de pirâmide da conformidade (ver abaixo) para ilustrar os diferentes tipos de contribuintes. De acordo com o presidente da Unafisco, é preciso reconhecer e identificar os grupos para, assim, estabelecer como deve ser a atuação das administrações tributárias em relação a cada um deles.  “Para os que cumprem suas obrigações, o Fisco precisa simplificar e facilitar. Em relação ao grupo dos que desejam cumprir, mas não conseguem, é preciso instruir e auxiliar. Para os que não cumprem, são necessárias medidas punitivas. Já para a minoria que, intencionalmente, não cumpre suas obrigações tributárias, temos que aplicar a força mais rigorosa da lei e não enfraquecê-la.”

A apresentação do presidente Mauro pautou diversas falas posteriores de participantes da audiência, incluindo a do próprio autor do PLP 17/22, deputado Felipe Rigoni.

Deputado Felipe Rigoni. O autor prometeu fazer alterações no Projeto para adequar o tratamento do Fisco aos diferentes grupos de contribuintes. “Faremos justamente as reparações para que o bom pagador de imposto tenha previsibilidade e consiga exercer sua atividade econômica com tranquilidade. E combater o mau pagador de imposto, aquele que é intencional, tem dolo, frauda e não paga. A ideia é ajustarmos o texto para que tenhamos os diferentes tipos de pagadores de impostos caracterizados da maneira correta dentro do PLP.”

Adler Alves, AGU. O advogado-geral substituto da Advocacia-Geral da União (AGU) afirmou que o Projeto precisa diferenciar, adequadamente, o bom do mau pagador de tributos. “Isso vai permitir que o órgão que faz a exação tributária possa distinguir as diferentes condutas dos dois grupos.”

Zabetta Macarini, Getap. A diretora-executiva do Grupo de Estudos Tributários Aplicados (Getap) citou o presidente Mauro e destacou argumentos dele em sua participação. “Quando a gente fala em Código de Defesa do Contribuinte, é muito importante que haja separação entre o contribuinte que é bom e mau pagador. Foi muito bem colocado pelo Mauro. Existem categorias e a pirâmide apresentada é a grande revolução que a gente tem na relação entre Fisco e contribuinte.  Temos que separar o joio do trigo (…). Mauro mostrou na pirâmide que quanto melhor o contribuinte, mais ajuda e menos multa ele deve ter. E ao contrário, quanto mais ele se comporta de forma contrária à lei, mais olho do Fisco deve ter. Essa é uma medida que deveria constar no PLP para estimular esses procedimentos e proporcionar uma relação mais próxima entre o Fisco e os bons contribuintes.”

Ariene Amaral, CNI. A especialista em Políticas e Indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI) também citou a fala do presidente Mauro para corroborar com sua justificativa de alterações no projeto. “Estamos no ambiente para discutirmos esse nivelamento proposto pelo Mauro, pois, realmente, são situações diferentes. Temos aqueles que cumprem todas suas obrigações. Será que a esses contribuintes a gente precisa continuar mantendo o nível de multas por descumprimento de [pagamento] de uma multa acessória ou de mora por um imposto que é pago no mês seguinte?”. E acrescentou: “Para esse contribuinte que continua todos os dias tentando cumprir a legislação tributária, seria muito importante que caminhássemos para a efetivação da fiscalização orientadora.”

Gilberto Alvarenga, CNC. O consultor tributário da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) foi outro a sugerir mudanças no PLP, usando como argumentação a pirâmide apresentada pelo presidente Mauro. “Temos aqueles que conseguem pagar seus tributos e aqueles que, de boa-fé, buscam o pagamento, mas diante de um cenário de inúmeras legislações e incertezas tributárias, têm dificuldade. O Projeto carece de mecanismos que garantam fiscalização orientadora.”

Alberto Macedo, Abrasf. O representante da Câmara Técnica Permanente da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) falou sobre a importância de distinguir os diferentes grupos de contribuintes para aperfeiçoar o PLP Um projeto que iguala os bons contribuintes do sonegador traz mais desigualdade e prejudica a arrecadação de recursos públicos para prestação de serviços à sociedade.”

Edson Vismona, ETCO. Por fim, o presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) também defendeu alterações no PLP para haver distinção dos contribuintes. “Nós precisamos distinguir o devedor que, de forma estruturada e dolosa, não paga seus impostos e diferenciá-lo daquele contribuinte que é um devedor pontual. É preciso separar o joio do trigo.”

Abaixo, assista à participação do presidente Mauro Silva.

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