2811.jpg

Nesse período de transição de governo, ainda há muitas indefinições de rumos, sendo terreno fértil para a apresentação de novas ideias à equipe de transição. É certo que a maioria das ideias apresentadas não se transformarão em ações à medida que forem objeto de uma melhor e mais aprofundada análise que mostre os impactos negativos para o País e para a agenda de mudanças positivas que o novo governo assumiu com a maioria da população.

A Unafisco Nacional tem procurado estar atenta às ideias apresentadas para a equipe de transição que possam afetar os interesses da categoria dos Auditores Fiscais da Receita Federal de modo a contribuir com o aprofundamento das considerações sobre  os temas.

Nesse mister, chamou-nos a atenção uma proposta que supostamente teria sido apresentada no sentido de realizar uma fusão entre as carreiras de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho.

Tal proposta, à toda vista, caminha no sentido oposto ao interesse do País, na medida em que desvaloriza o trabalho de ambas as carreiras.

Os Auditores Fiscais do Trabalho (AFT) são parte de carreira exclusiva de Estado e realizam um relevante trabalho para o País. Fiscalizam e zelam pelo cumprimento das leis trabalhistas e das normas de saúde e segurança, também combatem o trabalho escravo, o trabalho infantil e a discriminação no trabalho, todas as formas que degradam o ser humano, humilham os trabalhadores e destroem o futuro. São responsáveis também pela fiscalização do cumprimento das Normas Regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho, que visam a proteção dos trabalhadores contra acidentes de trabalho.

A nomenclatura é bastante recente. Até 2002 havia o Fiscal do Trabalho, o Assistente Social, Engenheiros e Arquitetos, e o conhecido Médico do Trabalho. Todos esses cargos foram transformados em Auditores Fiscais do Trabalho. Desde então, houve concurso público apenas em 2003 e 2009, pouco mais de 300 novos ingressantes.

Diante de tão largo espectro de atuação, a existência de uma carreira privativa e forte composta exclusivamente por Auditores Fiscais do Trabalho é uma conquista de toda a sociedade que devemos apoiar firmemente. O trabalho realizado pelos Auditores Fiscais do Trabalho  tem grande alcance social, trazendo dignidade ao trabalhador brasileiro, muitas vezes orientando-o quanto aos seus direitos e restituindo esses direitos nos locais de trabalho.

A sociedade brasileira merece uma carreira privativa e forte, composta exclusivamente por Auditores Fiscais do Trabalho, especialistas nas áreas do Direito do Trabalho, engenharia de segurança, medicina do trabalho, negociações coletivas, enfim, especialistas em relações humanas. O Brasil é membro da Organização Internacional do Trabalho (OIT) desde sua fundação, em 1919.

A relevância social do papel dos Auditores Fiscais do Trabalho na preservação da dignidade do trabalhador não recomenda que a carreira que exerce tal atividade seja fundida com outra carreira que tem atribuições que já drenam todos os esforços do órgão da Administração Tributária Federal.

É nítido e notório o efeito negativo da aventada fusão na arrecadação geral de tributos e nas demais atividades da Receita Federal com a entrada no órgão da Administração Tributária Federal de profissionais que, a despeito de serem competentes nas atividades que atualmente realizam, não possuem atribuição legal de constituição do crédito tributário mediante lançamento e nem sequer experiência ou conhecimento na área contábil e jurídico-tributária. Não há organização que não sinta os efeitos negativos da entrada abrupta de mais de 2300 profissionais em seus quadros, que necessitariam de um grande investimento de treinamento durante alguns anos.

Os Auditores Fiscais da Receita Federal, por sua vez, exercem as atribuições essenciais para a Administração Tributária da União, notadamente aquelas relativas ao lançamento, fiscalização e arrecadação dos tributos que compõem a arrecadação federal, e as relativas às atividades de controle aduaneiro. O País enfrenta uma severa crise fiscal, e não nos parece ser momento oportuno para experimentar uma fusão de estruturas dessa envergadura, o que pode provocar, certamente no curto e médio prazo, ineficiência e perda efetiva de arrecadação.

Além do impacto negativo na arrecadação geral de tributos, bem como nas demais atribuições da receita federal, haveria na prática uma supressão, por via oblíqua, da Inspeção do Trabalho. Uma vez na mesma estrutura e no mesmo cargo, é natural que os auditores sejam alocados nos trabalhos que deem maior retorno financeiro ao Governo, condenando ao esquecimento o papel social do outrora Fiscal do Trabalho.

A atividade de fiscalização exercida pelo Auditor Fiscal da Receita Federal exige extensa malha de conhecimentos, não apenas de direito em geral, e de direito tributário,  em particular, mas sobretudo da vasta legislação de tributos federais, bem como de contabilidade avançada, matemática financeira, e outros temas ligados à esse ramo do serviço público especializado. Tais conhecimentos não são adquiridos no cargo  – embora sejam aprofundados nele -, mas são necessários para o próprio ingresso na carreira, sendo requisitos do concurso público.

Nessa linha, a proposta de fusão dessas carreiras padece de inconstitucionalidade na medida que a nova carreira representaria, para ambos os cargos atuais, ingresso em cargo novo com atribuições novas para as quais não prestaram concurso público, o que equivaleria ao provimento de cargo sem concurso público, o que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) tem afastado com veemência. Esse seria mais um fator a causar instabilidade administrativa e prejudicar o funcionamento das atividades exercidas por ambas as carreiras com prejuízos mais que indesejáveis para a arrecadação de tributos e para a luta contra o trabalho escravo e infantil.