Título: Perdão de dívidas de igrejas nas mãos de Bolsonaro
Publicação: O Dia
Autora: Martha Imenes
Data: 9/9/2020

Menos R$ 1 bilhão no cofre do governo, este é o valor da dívida tributária das igrejas evangélicas que o Congresso quer perdoar. A decisão está nas mãos do presidente Jair Bolsonaro, que tem até sexta-feira para vetar ou não a lei. A equipe econômica não dá aval para o perdão, mas a bancada evangélica – base de Bolsonaro – pressiona para o Leão não dar essa mordida.Caso o presidente Bolsonaro não sancione a lei, a bancada evangélica pode derrubar o veto presidencial. Hoje são necessários 257 votos de deputados e de 41 senadores para derrubar um veto. Somente a bancada evangélica, principal beneficiada pela lei, tem 195 deputados e oito senadores. “É um jogo de cartas marcadas: o presidente pode muito bem vetar e fazer um acordo com o Centrão e eles derrubarem o veto para evitar um desgaste político neste momento”, avalia o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), Mauro Silva.


Silva chama atenção para a inconstitucionalidade da lei aprovada no Congresso: “O perdão de dívidas já autuadas pela Receita entrou como um ‘jabuti’ na lei que discutia precatórios e foi aprovada pelo Congresso. Um assunto nada tinha a ver com o outro”, adverte. E alerta para outro ponto: “Os parlamentares aprovaram a retroatividade da lei. Ou seja, dívidas anteriores também serão perdoadas”.


Emenda ‘jabuti’
O deputado federal David Soares, filho de R.R. Soares, foi autor da emenda que introduziu, durante a votação na Câmara dos Deputados, o perdão que pode beneficiar a Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada pelo pai. A instituição tem R$ 144 milhões inscritos na Dívida Ativa da União, além de outros débitos milionários ainda em fase de cobrança administrativa pela Receita.


As igrejas são alvos de autuações milionárias por driblarem a legislação e distribuírem lucros e outras remunerações a seus principais dirigentes e lideranças sem efetuar o devido recolhimento de tributos. Embora tenham imunidade no pagamento de impostos, o benefício não afasta a cobrança de contribuições (como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, a CSLL, ou a contribuição previdenciária). “Contribuição não é imposto”, adverte Mauro Silva, presidente da Unafisco.


Esses dois tributos são justamente os alvos da anistia aprovada pelo Congresso Nacional por meio do projeto de lei 1581/2020, que trata de descontos em pagamento de precatórios (valores devidos pela União após sentença definitiva na Justiça).


A emenda proposta pelo deputado David Soares exclui as igrejas do rol de contribuintes da CSLL, ampliando o alcance da imunidade prevista na Constituição. O texto ainda diz que “passam a ser nulas as autuações feitas” com base no dispositivo anterior à proposta recém-aprovada – ou seja, elimina a dívida.


Outro artigo declara “nulas as autuações emitidas” pela Receita Federal antes de outra lei, de 2015, que buscava frear as autuações sobre a prebenda, como é chamado o valor recebido pelo pastor ou líder do ministério religioso por seus serviços.


A prebenda é isenta de contribuições à Previdência, desde que seja um valor fixo, mas o Fisco começou a identificar pagamentos variáveis, com características de participação nos lucros ou bonificações a quem tem os maiores “rebanhos” de fiéis. Os auditores começaram então a lançar autos de infração e cobrar os tributos devidos com multas e encargos.


Pressão sobre a Receita
A pressão é tanta que Bolsonaro chegou a se reunir no Palácio do Planalto com o deputado federal David Soares (DEM-SP) e com o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, no final de agosto para debater o assunto. O deputado preferiu não se manifestar sobre a reunião com o presidente que constou em agenda oficial. “Isso aí é uma reunião com o presidente, eu não tenho nada a declarar”, disse.


A equipe econômica já alertou o presidente de que um eventual perdão das dívidas traria prejuízo gigantesco às contas públicas. “Será menos dinheiro que vai para a seguridade social”, alerta Silva.  Para se ter uma ideia, a Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada por R. R. Soares, pai do deputado David Soares, acumula R$ 144 milhões em débitos inscritos na Dívida Ativa da União – terceira maior dívida numa lista de devedores que somam passivo de R$ 1,6 bilhão. A mesma igreja ainda tem outros dois processos em curso no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que envolvem autuações de R$ 44 milhões.


Já a Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, segundo levantamento do jornal Estado de S. Paulo, tem seis processos em andamento no Carf, última instância administrativa para recorrer às autuações do Fisco. Existem ao menos 12 processos em âmbito administrativo na Receita envolvendo impasse com igrejas. Procurada, a Universal diz que “paga rigorosamente todos os tributos que são devidos e, assim, não deve qualquer valor à Receita Federal”. A igreja diz ainda que “questionamentos sobre eventuais autuações abusivas são um direito dos contribuintes”.


Aceno desde abril
Essa não é a primeira vez que Bolsonaro faz aceno aos templos religiosos. Em janeiro, o presidente encomendou ao Ministério de Minas e Energia um decreto para conceder subsídios à conta de luz de templos de grande porte, contrariando o ministro da Economia, Paulo Guedes, defensor da redução desse tipo de incentivo. A medida acabou sendo abortada diante das críticas.


Outra conta que conta com a benesse do governo são os imóveis que as igrejas ocupam: são 663 imóveis da União e custo é de, no máximo, 2% do valor do terreno.