A ladainha e o vai-e-volta do governo, no desespero para dar continuidade a sua política neoliberal, e, ao mesmo tempo, conseguir recursos para financiar o Renda Cidadã, continuam. De forma errática, semana após semana, uma série de alternativas vêm sendo anunciadas ou “colocadas na mesa” pela equipe do “superministro” Paulo Guedes. Segundo nos informa reportagem da Agência Estado esta semana, as medidas agora passam pelo corte do abono salarial, do salário de servidores públicos e limitação de reajustes de aposentadorias e pensões. 

Outra proposta na “mesa de negociação” é a limitação por dois anos de benefícios pagos ao funcionalismo público, tais como auxílio alimentação. A medida traria economia de R$ 1,826 bilhão por ano, se for criado um teto de R$ 300 por auxílio, segundo cálculos do governo. Como se vê, o Executivo tem obsessão por tetos. 

Há mais ideias “geniais” em estudo: a suspensão “temporária” da correção monetária de benefícios previdenciários para quem ganha acima de três salários mínimos e a extinção – sim, extinção – do abono salarial, com uma regra de transição. Segundo os estudos da equipe econômica, a primeira medida renderia uma economia de R$ 3,5 bilhões no primeiro ano e R$ 7 bilhões no segundo. Já o “remanejamento” gradual do abono para o Renda Cidadã só teria efeito em 2022, gerando R$ 8,22 bilhões a menos de gastos. 

Observem quem seriam alguns dos atingidos: por exemplo, quem ganha mais do que a fortuna de R$ 3.135 (três salários mínimos) e o funcionário público que tem direito ao auxílio alimentação, cujo valor médio chega à “exorbitante” cifra de R$ 479 por mês. 

O comportamento errático do governo na busca por “espaços” orçamentários seria cômico, não fosse trágico. Isso porque estamos em um país que instituiu um mecanismo de controle das finanças inexequível chamado teto de gastos. Mas o presidente da República está na chamada sinuca de bico. 

Como continuar o arrocho neoliberal que satisfaz o mercado financeiro e, ao mesmo tempo, encontrar recursos para o Renda Cidadã, fundamental para o projeto de reeleição de Bolsonaro em 2022? Em outros termos, como aliar a urgência eleitoral sem “furar” o teto de gastos? 

O vai-e-vem do Planalto e dos aliados de Paulo Guedes no Congresso Nacional, a cada semana, cria ou ressuscita uma ou mais ideias “geniais” para encontrar as fontes de financiamento do programa com que pretendem substituir o Bolsa Família.  

Duas propostas de emenda à Constituição, a PEC Emergencial (n° 186/2019) e PEC do Pacto Federativo (188/2019), vêm sendo colocadas novamente como solução no Parlamento. Quando a pandemia de coronavírus mal se anunciava no país, em 12 de março, em debate na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado sobre a PEC 186, especialistas alertaram que o governo nem mesmo apresentara estudos de avaliação consistentes sobre o impacto da redução dos serviços do Estado para a sociedade. Segundo eles, cortes de jornada e de salário de funcionários públicos afetarão políticas para a primeira infância e assistência social, por exemplo. 

A ideia é a instituição de “gatilhos” para disparar quando as despesas ultrapassarem a receita, o que inviabilizará promoção de servidores, reestruturação de carreira, realização de concurso público, entre outras consequências.  

As seguidas propostas em estudo pelo governo, ora mexendo nos precatórios, ora no Fundeb, e sempre atacando o funcionalismo e suprimindo direitos, só mostram que o Executivo, com o teto de gastos, não sabe de onde tirar dinheiro para o Renda Cidadã.  

Mas tem de onde tirar. Como temos insistido, a União deixará de arrecadar quase R$ 300 bilhões em 2020, devido a privilégios tributários injustificáveis dos super-ricos do país.  

Como falamos de pandemia, lembramos mais uma vez um estudo da organização não governamental Oxfam: os 42 bilionários brasileiros conseguiram a proeza de ampliar suas fortunas em US$ 34 bilhões desde o início da pandemia do novo coronavírus, de março até junho deste ano, aumentando sua riqueza de US$ 123,1 bilhões para US$ 157,1 bilhões.  

É diante de números como esses que reafirmamos mais uma vez: estamos entre os 99,65% da população brasileira que exige um sistema tributário progressivo, justo, que contemple o trabalho e cobre de quem tem muito. Os recursos arrecadados dos privilegiados – que compõem a fração de 0,35% da população com renda mensal superior a 40 salários mínimos –poderiam ser pelo menos uma das fontes para financiar o Renda cidadã. Mas, com o teto de gastos, a equação não fecha. A pandemia de coronavírus mostrou, em todo o mundo, que um país cujo Estado é fraco deixa a sociedade relegada à própria sorte. Em outras palavras, ao mercado.