Título: Auditores da Receita entregam cargos de chefia após reajuste para policiais
Publicação: Valor Econômico
Autora: Lu Aiko Otta
Data: 22/12/2021

Após a aprovação do Orçamento de 2022 com previsão de reajuste salarial apenas para policiais, outras áreas do funcionalismo público se mobilizam para pressionar o governo. O presidente Jair Bolsonaro havia indicado em novembro que concederia aumento para todas as categorias. Na época, o sinal causou apreensão na área econômica e foi condenado por especialistas por seu potencial de desmoralização da regra do teto de gastos.

Funcionários do Banco Central pediram reunião de emergência com o presidente, Roberto Campos Neto, informou o presidente do sindicato da categoria, Fabio Faiad. Querem questionar por que não houve, por parte dele, o mesmo empenho da chefia da Polícia Federal para melhorar salários.

Na Receita Federal, auditores estão entregando cargos de chefia. Ontem, a conta estava em 283, e subindo, segundo informou a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco). O movimento atingia Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba.

Outras carreiras, como Tesouro Nacional e Controladoria-Geral da União (CGU) também deverão mobilizar-se mais fortemente a partir da segunda quinzena de janeiro, disse o presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques.

A mesma informação foi dada pelo presidente da Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva. Essa entidade representa perto de 80% dos servidores do Executivo, tendo em sua base servidores das áreas de saúde e educação, por exemplo.

O movimento tem sido mais forte na Receita Federal, onde a promessa de reajuste apenas para a polícia desencadeou um fenômeno de “combustão espontânea”, como descreveu o presidente da Unafisco, Mauro Silva. Sem qualquer convocação ou mobilização por parte do sindicato, começou um movimento de entrega de cargos de chefia.

Os auditores entendem que os recursos para pagar reajuste aos policiais saíram do orçamento da Receita, o que consideram “desrespeito” e “desprestígio”, nas palavras de Silva. Há uma coincidência de valores, segundo informam em um ofício no qual 46 auditores de São Paulo entregam seus cargos de chefia.

Segundo eles, a proposta original de orçamento para a Receita, de R$ 2,189 bilhões, caiu para R$ 1,063 bilhão, uma redução de 51,4%, ou R$ 1,126 bilhão. A verba reservada para reajuste das polícias é de R$ 1,74 bilhão.

“Observa-se que o valor corte orçamentário proposto é proporcional ao valor destinado para a reestruturação da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, do Departamento Penitenciário Nacional e do Ministério da Justiça”, escrevem. “Com isto temos que os valores que serão cortados da Receita Federal do Brasil serão utilizados para satisfazer os reajustes acordados com as carreiras retro citadas, numa demonstração de absoluto desrespeito à administração tributária.”

Os fiscais chamam a atenção para o corte de 51,5% nas verbas de custeio, que pode deixar divisões da Receita sem recursos para pagar contas de água e luz. Dizem também que os cortes em soluções informatizadas, no mesmo percentual, podem deixar o órgão sem internet, além de atrasar a modernização de sistemas utilizados pelos contribuintes.

Duas categorias que disputam espaço dentro da Receita, os auditores e os analistas, se uniram numa nota conjunta para informar que abandonaram a busca por ganhos de produtividade na arrecadação. Isso porque não haverá reajuste do bônus de produtividade, congelado há cinco anos. O custo seria de R$ 450 milhões, segundo informa o ofício dos auditores de São Paulo.

Mauro Silva acredita que seria possível acomodar o reforço do bônus da Receita no espaço aberto no Orçamento de 2022 para aumentar salários de policiais.

Rudinei Marques vai além e diz que a alta da inflação abriu um espaço fiscal suficiente para acomodar reajuste salarial para todos os servidores. Como o Orçamento já está aprovado, o aumento ocorreria por meio de créditos suplementares.

O entendimento do Fonacate é que reajustes salariais podem ser concedidos até seis meses antes das eleições. Seria importante aproveitar essa “janela”, disse, porque novos aumentos só poderão ser negociados em 2023, para entrar em vigor em 2024.

Algumas categorias estão sem aumento desde 2017, afirmou Sérgio Ronaldo. “Não somos contra o reajuste para policiais, mas mais de 90% do funcionalismo estão com suas remunerações congeladas há mais de cinco anos”, disse. “Lamentamos a seletividade que o presidente da República e o Ministério da Economia fazem.”

O aumento salarial para policiais vai na linha contrária do discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele criticou governadores por haverem prometido reajuste a seus funcionários em 2022. Ressaltou o impacto positivo nas contas públicas do congelamento das folhas salariais da administração pública de União, Estados e municípios em 2020 e 2021, por causa da pandemia.

O Valor questionou o Ministério da Economia. A pasta respondeu que não irá comentar.

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