O advogado Mauro Gomes de Mattos foi o convidado para falar sobre a nova Lei de Improbidade Administrativa, no seminário Desafios para o Futuro da Administração Tributária Federal, realizado em São Paulo/SP, no dia 10/6. Ele disse que, em maio, havia falado sobre o tema da Improbidade Administrativa no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, ao lado de palestrantes como os ministros do Supremo Tribunal Federal, Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, entre outros. Na ocasião, Mattos começou a exposição dele ressaltando que a referida lei surgiu para regulamentar o artigo 37, parágrafo 4º da Constituição Federal, e disciplinar atos de corrupção. Ou seja, a Lei de Improbidade tinha que ser utilizada para atos de corrupção, para atos ilícitos com demonstração inequívoca de corrupção.

Antes da nova lei, não havia definição do que seria ato improbo. Tudo poderia ser improbidade na visão do intérprete das corregedorias, ministérios públicos, órgãos federais. Do jeito que se encontrava, segundo o advogado Mauro Gomes de Mattos, a lei era um grande desserviço, porque ela não foi combater o improbo. Na prática, “ela foi combater todos aqueles que a autoridade acusadora entendia como improbidade.” A partir do momento que não existe a definição do que seja ato de improbidade, tornou-se comum enquadrar as situações analisadas em uma destas três formas: enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário ou violações a princípios. “Quer coisa mais ampla do que violação a princípios?”, reforça o advogado.

O desserviço trazido pela lei foi tão grande que era preciso defender a criação de critérios objetivos para a devida investigação. Daí é fácil entender por que “falar em sindicância patrimonial é um dos maiores absurdos que eu já vi; e só defendo Auditor Fiscal da Receita. É um dos maiores absurdos, porque quando abrimos o artigo 9º, ele é claro ao dizer que deveria ter ato. A versão anterior da lei dizia que “Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade (…).” O que entende o STJ? O STJ vem com uma interpretação jurisprudencial de que o exercício da função já é a presunção. E aí inverte-se o ônus. Compete à parte investigada, acusada de enriquecimento ilícito, demonstrar licitude do seu patrimônio.

Mauro Mattos defende que é preciso haver um ato comissivo ou omissivo no exercício da função em decorrência do mau exercício. No caso da verificação da parte patrimonial, é preciso haver critério objetivo de investigação. De acordo com Mattos, se o imóvel foi comprado por 500 mil reais, a Receita entende com pesquisa de mercado que o valor é 800 mil reais. E pede para o Auditor Fiscal justificar o furo de caixa de 300 mil reais. Entretanto, o mercado imobiliário é oferta e procura. O vendedor vende no preço que melhor lhe aprouver. O comprador compra dentro da sua possibilidade. “Mas a Receita inverte esse ônus. A Receita efetivamente abre a sindicância patrimonial sem critério nenhum, sem demonstração de exercício ilícito da função pública. E compete ao Auditor Fiscal a prova diabólica, a prova negativa de fato. Ora, se a escritura tem valor e fé pública, se é obrigação dos órgãos públicos, se não tem demonstração de ardil, se não tem demonstração de pagamento por fora, como se desconstitui uma escritura jurídica? Somente com outra escritura, ou com uma ação judicial de desconstituição de escritura jurídica. Mas na Receita não funciona assim. Eu tenho casos de Auditores Fiscais, que despachei em Brasília, demonstrei a incoerência de um caso concreto, mas que não surtiu efeito. Aí o pobre do Auditor tem que judicializar o seu caso, e demonstrar o abuso do direito de acusar e demonstrar realmente a violência do poder persecutório.”

A nova Lei de Improbidade altera esse quadro quando ela expressamente diz que não cabe a inversão do ônus da prova.  A Receita invertia o ônus da prova. Agora, a questão de enriquecimento ilício não pode ser presumido, segundo a nova visão do artigo 9º da Lei 8429/92, inciso VII, com a atual redação dada pela Lei 14.230/21:

“adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, de cargo, de emprego ou de função pública, e em razão deles, bens de qualquer natureza, decorrentes dos atos descritos no caput deste artigo, cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público, assegurada a demonstração pelo agente da licitude da origem dessa evolução (…).”  

O advogado explica que a nova redação da Lei de Improbidade Administrativa visa a combater atos desonestos e imorais, aqueles precedidos de dolo, e não de equívocos ou inabilidades culposas. A lei não veio beneficiar o agente público. Ela veio colocar o trem no trilho, veio estabelecer o que é ato de improbidade. “A investigação tem que ser qualificada. Ela tem que ser dotada de critérios estabelecidos previamente pela lei, dentro do código de conduta, dentro de uma previsão legislativa. Não podemos mais conviver com o abuso”, disse Mattos.

A Improbidade Administrativa não é para ser manejada contra o homem de bem. É para ser utilizada contra os atos desonestos, atos devassos, não atos de inabilidade. “Essa é uma lei que foi deturpada, foi manejada de forma irregular, gerou muitas injustiças, acúmulo no Judiciário de ações natimortas. A nova lei veio exatamente para a qualificação, para demonstrar efetivamente o código de conduta, o que é violação — e não criação intelectual do órgão persecutório, de que tudo é ilegal, tudo é improbidade. Hoje nós temos o nosso manual de defesa, que é a lei nova.”

Assista abaixo ao segundo dia de evento na íntegra.