A Lava Jato foi um terremoto que abalou a corrupção e a impunidade. A afirmação é do ex-procurador do Ministério Público Federal, Deltan Dallagnol, feita em 9/6, no primeiro dia do seminário Desafios para o Futuro da Administração Tributária Federal, um evento organizado pela Unafisco Nacional e a Delegacia Sindical de São Paulo do Sindifisco Nacional. Deltan falou no Painel 1, sobre o Papel da Receita Federal no combate à corrupção em um cenário pós-operação Lava Jato.

Considerando que a regra é não recuperar nenhum centavo desviado dos cofres públicos, os números da operação Lava Jato apresentados por Deltan realmente impressionam. Cinco bilhões devolvidos ao erário e à Petrobras. Quinze bilhões em compromisso de devolução. E 750 milhões repatriados.

Além disso, segundo o ex-procurador, quatro ex-presidentes da República foram acusados, assim como seis políticos que já foram presidentes do Senado Federal e outros cinco, presidentes da Câmara dos Deputados. Ele apresentou outros exemplos. Ao investigar uma empresa, houve a implicação de 415 políticos de 26 partidos diferentes. Houve a prisão de medalhões do capitalismo, o que também outrora era algo impensável.

Queda livre. A Lava Jato ocasionou um verdadeiro efeito dominó. Inicialmente a investigação foi sobre doleiros. Depois foi para corrupção endêmica em uma diretoria da Petrobras, envolvendo um partido. Puxando mais a linha, chegou a grandes construtoras que atuavam para a Petrobras, revelando esquema de cartel. Confirmando a queda livre, a corrupção avançou para outras diretorias. Nesse ponto as colaborações premiadas estão a todo o vapor. Outro partido político é descoberto. A corrupção atinge órgãos públicos federais, estaduais e municipais. Segundo Dallagnol, o STF determinou que as investigações relativas a outros órgãos, Estados e municípios, saíssem de Curitiba/PR e fossem para outros Estados da Federação.

Receita Federal. Basicamente, a Lava Jato descobriu que as empreiteiras, que realizavam grandes obras na Petrobras, contratavam consultorias e prestação de serviços.  E diretorias da Petrobras, que contratavam essas grandes empreiteiras, eram chefiadas por pessoas indicadas por partidos políticos e governantes. Com a ajuda da Receita, no âmbito da Lava Jato, foram identificadas as consultorias que prestavam falsos serviços para as empreiteiras.

A Receita também mapeou todas as empresas de consultoria que prestavam serviços para as empreiteiras investigadas pela Lava Jato. Ranqueava primeiro por valor, identificava quantos funcionários a empresa tinha, quem eram os funcionários, se o dono tinha efetivamente capacidade financeira para ser proprietário de empresas de consultoria. O órgão apontava quais seriam as prováveis empresas de consultoria falsas, que se corromperam por dezenas de milhões de reais. O ex-procurador disse ainda que havia documentos do cartel em que as empresas, usando codinomes, dividiam entre si as várias obras da Petrobras. Sabiam quem seria o vitorioso da vez, porque existia um acordo entre as empreiteiras. O que pouca gente sabe é que tais acordos eram escritos na forma de regras de campeonato esportivo. “A competição anual terá a participação de 16 equipes (…).” Ou seja, estarão na jogada 16 empresas e assim por diante. Cada âmbito de atuação das empreiteiras tinha um campeonato esportivo correspondente. Tudo preto no branco para o acordo ficar devidamente registrado.

Propinas. As propinas eram 3% sobre o valor do contrato. O total em propina descoberto foi de R$ 6,2 bilhões. Os prejuízos desses desvios podem ultrapassar R$ 200 bilhões, segundo Deltan. Este valor certamente relaciona-se à ineficiência econômica que vem no bojo, porque as pessoas que praticam a corrupção não estão voltadas para o interesse público. Por exemplo: foram construídas refinarias que jamais vão se pagar, ainda que elas funcionem por todo o seu tempo útil de existência. Foram compradas refinarias como a de Pasadena, no Texas, a um custo superfaturado em mais de 700 milhões de dólares. Outro caso compartilhado por Deltan: construíram navio para, digamos, arrecadar propina. Como não bastasse, ele ficou parado em alto mar, ao custo de 500 mil dólares por dia.

Mecanismo. A Lava Jato identificou um mecanismo político partidário que está espalhado pelo Brasil. Políticos desonestos (em todas as categorias existem os bons e os maus profissionais e o palestrante ressaltou que nada tem contra políticos) indicam pessoas para chefiar órgãos federais, estaduais e municipais. Os indicados estão incumbidos de arrecadar a propina. Deltan diz que apenas o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, tinha cem milhões de dólares em contas no exterior, recurso confessadamente desviado dos cofres públicos.

Parte do dinheiro da corrupção vai para financiamento de campanha eleitoral. Segundo estudos, existe uma correlação entre dinheiro investido em campanha e número de votos recebidos. De acordo com Deltan, somente uma empreiteira implicou 415 políticos de 26 partidos. “Eu aprendi a investigar crimes financeiros, crimes de lavagem de dinheiro com o Auditor Fiscal da Receita Roberto Leonel, em Curitiba. Lá, em 2004, quando entrei no Ministério Público, era quem tinha a maior experiência, maior conhecimento e melhor trabalho feito na investigação desses crimes na história do Paraná e foi quem me ensinou a investigar crimes financeiros. Daí a importância do trabalho feito pelo Kleber Cabral, Marcus Dantas, no combate à corrupção e no apoio a investigações como a operação Lava Jato.”

Para Deltan, o período da pós-Lava Jato possui semelhança com o pós-Mãos Limpas da Itália. Uma palavra do procurador Piercamillo Davigo, que atuava no Mãos Limpas, sintetiza a explicação de Deltan. “A partir de 1994, a política, toda a política, se esforçou para impedir não a corrupção, mas as investigações e os processos contra a corrupção.”

A Lava Jato apresentou um novo modelo de investigação. As colaborações premiadas não eram um ponto de chegada, mas um excelente ponto de partida das investigações. E essas colaborações premiadas sequenciais permitiram uma grande expansão das investigações. Cumpria-se, por exemplo, um mandado de busca e apreensão, pelo qual descobria-se mais provas e abriam-se novas fases sucessivamente. “Houve necessidade de realizar rastreamentos financeiros e a Receita Federal foi absolutamente essencial nesses rastreamentos.”

Assista abaixo à gravação do primeiro dia do Seminário:

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